quinta-feira, 5 de março de 2009

O Método





Descartes quer estabelecer um método universal, inspirado no rigor matemático e nas suas "longas cadeias de razão".

1. - A primeira regra é a evidência : não admitir "nenhuma coisa como verdadeira se não a reconheço evidentemente como tal". Em outras palavras, evitar toda "precipitação" e toda "prevenção" (preconceitos) e só ter por verdadeiro o que for claro e distinto, isto é, o que "eu não tenho a menor oportunidade de duvidar". Por conseguinte, a evidência é o que salta aos olhos, é aquilo de que não posso duvidar, apesar de todos os meus esforços, é o que resiste a todos os assaltos da dúvida.

2. - A segunda, é a regra da análise: "dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem possíveis".

3. - A terceira, é a regra da síntese : "concluir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objectos mais simples e mais fáceis de conhecer para, aos poucos, ascender, como que por meio de degraus, aos mais complexos".

4. - A última á a dos "desmembramentos tão complexos... a ponto de estar certo de nada ter omitido".

O método tornou-se muito célebre, porque os séculos posteriores viram-no como uma manifestação do livre exame e do racionalismo.

a) Os filósofos do século XVIII estenderão este método a dois domínios de que Descartes,o excluiu expressamente: o político e o religioso (Descartes é conservador em política e coloca as "verdades da fé" ao abrigo de seu método).

b) O método é racionalista porque a evidência de que Descartes parte não é, de modo algum, a evidência sensível e empírica. Os sentidos enganam-nos, e as suas indicações são confusas e obscuras, só as idéias da razão são claras e distintas. O acto da razão que percebe directamente os primeiros princípios é a intuição. A dedução limita-se a veicular, ao longo das belas cadeias da razão, a evidência intuitiva das "naturezas simples". A dedução nada mais é do que uma intuição continuada.

A Metafísica

No Discurso sobre o Método, Descartes pensa sobretudo na ciência. Para bem compreender sua metafísica, é necessário ler as Meditações.

1. - Todos sabem que Descartes inicia o seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é necessário compreender que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um verdadeiro "exército espiritual".
Duvidemos dos sentidos, uma vez que eles frequentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estou a sonhar ou se estou desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de chambre", ocupado a escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em meu leito").

Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas!

Não é verdade - quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um génio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objecto...

2. - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demónio queira sempre enganar-me. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objecto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio acto de duvidar é indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum" . Não é um raciocínio (apesar do logo, do ergo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objecto, mas de um ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego, é muito mais que um simples acidente gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes, portanto, não é, como já se disse, o acto de nascimento do que, em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito pensante e suas ideias como o fundamento de todo o conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico (estes objectos que são as evidências matemáticas remetem a este ser que é o pensamento).

3. - Neste nível, o momento do seu itinerário espiritual, Descartes é solipsista(Um solipsista é alguém que acredita que ele próprio é a única coisa que realmente existe). Ele só tem a certeza do seu ser, isto é, do seu ser pensante (pois, sempre duvida do objecto que é o corpo; a alma, diz Descartes nesse sentido, "é mais fácil de ser conhecida que o corpo").

Dentre as ideias do meu cogito existe uma inteiramente extraordinária. É a ideia de perfeição, e de infinito. Não posso tê-la tirado de mim mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, sou tão imperfeito, que tenho a ideia de Perfeição, só posso tê-la recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa e que é o autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstrada a existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus perfeito, que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o fantasma do génio maligno exorcizado. Se Deus é perfeito, ele não pode ter querido enganar-me e todas as minhas ideias claras e distintas são garantidas pela veracidade divina. Uma vez que Deus existe, posso crer na existência do mundo.
Compreenda-se que, para tanto, não tenho o direito de guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem confusas e que só têm um valor de sinal para os instintos do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto (por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é o que é claramente pensável, isto é, a extensão e o movimento).

Alguns críticos, acham que Descartes caía um círculo vicioso: a evidência conduz-me a Deus e Deus garante-me a evidência! Mas não se trata da mesma evidência. A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a Deus fundamenta a evidência dos objectos matemáticos. Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma evidência mais profunda que a ciência. É ela que fundamenta a ciência (um ateu, dirá Descartes, não pode ser geómetro!).

4. - A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de provar a existência de Deus. Não mais se trata de partir de mim, que tenho a ideia de Deus, mas antes da ideia de Deus que há em mim. Apreender a ideia de perfeição e afirmar a existência do ser perfeito é a mesma coisa. Pois uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o argumento ontológico, o argumento de Santo Anselmo que Descartes reencontra: trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de uma experiência espiritual do que de um raciocínio.

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